terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pesquisa Use Fashion: Moda, educação e mercado

Não faz muito tempo que o Brasil viu expandir vertiginosamente o número de escolas, faculdades e universidades dedicadas ao ensino de moda. Também só recentemente o país percebeu que os negócios de moda são e devem ser tratados como coisa séria, capazes de gerar um número significativo de postos de trabalho e gerar dinheiro. Entretanto, apesar das duas esferas, acadêmica e de mercado, andarem na mesma direção, as vantagens da convergência entre elas ainda escapa a muitos e carece de esclarecimento. O período é de amadurecimento dessa relação e é sobre alguns aspectos desse processo que vamos tratar neste report.
Imagem de coleção de graduando na Royal Academy of Art, da Antuérpia, que abriga a divisão de moda.


Para início de conversa, o cenário é o Brasil de 1980, no qual se dá um crescimento significativo da indústria têxtil e de confecção. Os profissionais naquela época exibiam currículos das mais diversas áreas e experiências, a maioria deles havia sido treinado no assunto de maneira autodidata ou pela proximidade com pessoas que dominavam as técnicas de feitio. É de se lembrar que grandes nomes da moda nacional, como Zuzu Angel, desenvolveram as habilidades sem um ensino formal. Mesmo hoje, o número de profissionais em atividade na área, nestas condições, é enorme.
Zuzu Angel


Nesse período, no Brasil, a moda já era um fenômeno poderoso, envolvia celebridades e revistas especializadas, e o consumo criava demandas para a indústria, exigindo capacidades e competências nem sempre encontradas nesses profissionais. Foi aí que por força de algumas iniciativas, primeiramente tímidas, passou-se a encaixar disciplinas relacionadas à moda em cursos de design industrial, ou então oferecidas a título de cursos de extensão. Só depois elas tomaram corpo para se tornar de fato cursos especificamente voltados para a moda.
Imagens dos anos 1980: Xuxa | Liége Monteiro e Maitê Proença | Capa da Cláudia Moda


Pode-se destacar os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais como os primeiros a adotar a formação acadêmica dos profissionais. Minas, já no final da década de 1970, com o Grupo Mineiro da Moda e o curso de extensão de Estilismo & Modelagem do Vestuário na Universidade Federal de Minas. São Paulo vem logo depois, em 1988, com o primeiro Superior em Moda na Faculdade Santa Marcelina. No Rio, o Senai-Cetiq foi o responsável por fomentar a virada. Desde 1985, a instituição oferecia o curso de longa duração em tecnólogo para criação de moda.
As instalações da Escola de Belas Artes da UFMG na década de 1970, que desde o início abrigaram os cursos de moda, e sala de moda atual.


Responsável pela criação dessa demanda, a indústria brasileira, impulsionada pelas tecelagens, foi aos poucos absorvendo esses profissionais e estabelecendo as exigências que levaram os interessados em ter o seu lugar ao sol a passar pelo processo de educação.
Tradição na tecelagem brasileira com a Santaconstancia, de Gabriela Pascolato, e a força do algodão nacional


Atualmente, o amadurecimento e a expansão, tanto do lado acadêmico quanto da indústria, aumenta a exigência dos dois lados. Para a academia, o desafio é formar profissionais capacitados para a criação. Para a indústria, trata-se de aprimorar a gestão dos processos de criação e desenvolvimento, e é a troca de capacidades de um lado e de outro que leva ensino formal a flexibilizar as exigências de protocolo e trazer os profissionais experientes para dentro da sala de aula. Em contrapartida, a indústria se vê tomada por metodologias e princípios de criação com os quais não estava habituada a lidar.
Um dos “filhos” dessa geração é o estilista Alexandre Herchcovitch, vindo da Faculdade Santa Marcelina.


Alexandre Herchcovitch e Jum Nakao são dois bons exemplos desse intercâmbio entre ensino e mercado. O primeiro assina a direção artística do curso de moda do Senac São Paulo, ao mesmo tempo em que acumula o trabalho profissional com marcas próprias no mercado. O segundo, trocou as passarelas pelo ensino e segue palestrando e ministrando cursos pelo Brasil.
Alexandre Herchcovitch e Jum Nakao


Mario Queiroz é outro nome que mantém a própria marca e paralelamente trabalha com a educação de moda, seja como doutorando ou como professor. Na temporada de verão 2010/11, Mário recebeu patrocínio do Instituto Europeu de Design (IED) para realizar coleção. Como professor da instituição, ele levou para dentro do ambiente educacional toda a preparação do desfile. Os alunos puderam ver “na prática”, a seleção de casting, maquiagem e styling de um desfile.
Mario Queiroz


Cristiane Mesquita, que leciona na Anhembi Morumbi, é autora e organizadora de títulos importantes na área e é apontada como uma das figuras mais influentes no ambiente da moda atual, também vem de atuações no mercado.
Cristiane Mesquita e seu livro "Moda Contemporânea"


As convergências entre educação de moda e mercado esbarram no abismo que separa as necessidades e a realidade das práticas cotidianas, e as exigências que a formalização do ensino acarreta. No Brasil, é o Ministério da Educação (MEC) que dá as diretrizes e o reconhecimento para os cursos nos seus mais variados níveis. Somente no ano de 2002 é que aqueles primeiros cursos, surgidos há mais de uma década e destinados especificamente à moda, começaram a ser reconhecidos.
Página na web e imagem de realizações da Santa Marcelina


A diversidade de áreas relacionadas com a prática de moda (negócios, estilismo, styling, etc) problematiza a definição dos termos exatos a serem utilizados e as exigências que o MEC necessita colocar na cartilha para garantir a boa qualidade do ensino. Só em 2006, por meio do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia, o MEC incluiu o ensino técnico de moda, organizando e orientando as instituições no que diz respeito a estrutura, ao número mínimo de horas de ensino e as competências que devem ser desenvolvidas nos alunos. O Senac SP é uma das intituições que abriu o leque, assimilou o ensino do styling e disponibiliza cursos também em outra regiões do país.
Logo Senac São Paulo | Anúncio de workshop de styling.


Ainda engatinhando, mas certamente avançando, o Brasil segue os passos que outros países, tidos agora como referência, passaram. Caso da França, que já em 1841 contava com a École Supérieure des Arts et Techniques de la Mod (ESMOD), elaborada pelo alfaiate Alexis Lavigne.
Imagens de elaboração de coleção na ESMOD


Nos dias atuais, o ensino de moda da Royal Academy of Fine Arts da Antuérpia é uma das referências na convergência entre ensino e mercado. Sua filosofia inclui liberar em cada aluno o que houver de menos ortodoxo e, assim, continuar formando criadores de peso, como Walter Van Beirendonk (atual dirigente do setor de moda da instituicão), Dries Van Noten e Ann Demeulemeester, entre outros nomes da chamada escola belga, que também passaram por lá.
Cartaz da Royal Academy | Walter Van Beirendonck | Look criado por graduando.


Este é uma abordagem curta de um longo assunto. Impossível abarcar por inteiro as relações entre o ensino de moda e o mercado, que são profundas e muitas vezes nervosas. A tensão gerada pela necessidade de preservar a integridade do processo criativo e seus resultados, e as exigências produtivas e comerciais, pauta esta em questão. O que o ensino viabiliza, além do conhecimento e da técnica específica, é a capacidade de lidar com esta fricção antiga que, de certa forma não tem mesmo solução. Entretanto, é dela que se originam as transformações, preservando a moda como atividade criativa e projetual, em constante mutação, e não apenas como um objeto de estudo ou mera mercadoria.
Imagens de ambiente de curso de moda

Fonte: www.usefashion.com.br

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